Mercado do carbono atrai empresas baianas
17/08/07
Obtenção de recursos, garantia de uma imagem positiva e aumento do valor patrimonial são alguns benefícios O Protocolo de Kyoto, assinado em 1997 e ratificado em 2005, definiu obrigações para a redução das emissões de gases responsáveis pelo chamado efeito estufa, cujas conseqüências já começam a ser sentidas pelo planeta. Desde então, e cada vez mais, as empresas, sobretudo as indústrias, vêm empreendendo programas voltados à descarbonização, ou seja, para reduzir a emissão ou mesmo neutralizar o dióxido de carbono (CO2) através de reflorestamento. Mais do que responsabilidade socioambiental, as ações neste sentido podem também gerar renda, garantir uma imagem positiva e aumentar o valor de mercado das companhias. As empresas baianas começam a acordar para esta nova realidade, contribuindo de forma ativa para o desenvolvimento sustentável. ?Defendemos a adoção pela Bahia do status de Estado Verde, que vem sendo adotado, por exemplo, pela Califórnia (EUA), províncias de países europeus e municípios de São Paulo, para designar foco na sustentabilidade?, afirmou o administrador, pesquisador e diretor do Worldwatch Institute (WWI) no Brasil, Eduardo Athayde. Segundo ele, o mercado da descarbonização está movendo cifras volumosas, sendo preciso ir além da percepção do seqüestro de carbono e avaliar o que é possível fazer com os subprodutos desta ação. Athayde deu como exemplo o cacau, uma cultura preservacionista e com alta capacidade de agregação de valores, mas que não tem refletido em benefícios para as comunidades do sul do estado. ?A Bahia, que produz cerca de 5% do cacau do mundo, em ambiente de alta biodiversidade, tem na zona cacaueira da mata atlântica a única floresta de chocolate do planeta. Quanto vale isso para um mundo que procura novos destinos e identidades turísticas??, indagou. Segundo ele, podemos seqüestrar carbono e devolvê-lo à sociedade sob forma de ?Chocolate da Mata Atlântica?, com a identidade de um produto nobre, mas que vem sendo comercializado há séculos sem certificado de origem. ?Na era da descarbonização, o chocolate produzido a partir do cacau baiano pode agregar novos valores intangíveis à sua composição?, disse. Crédito de carbono – O Protocolo de Kyoto, ratificado por 160 países, estabeleceu alguns mecanismos que podem beneficiar, sobretudo, as companhias brasileiras. O chamado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), por exemplo, permite que as empresas de países desenvolvidos invistam em projetos ambientalmente sustentáveis em nações em desenvolvimento, como o Brasil, adquirindo os chamados créditos de carbono e abatendo-os da quantidade de emissões que precisam deduzir. As nações industrializadas devem reduzir em 5% os níveis de emissões de 2008 a 2012, e podem utilizar créditos vendidos por empresas brasileiras que desenvolvem programas ambientais, principalmente ligados a reflorestamento, ou mesmo adotam políticas como redução de energia, uso de combustíveis limpos e minimização de resíduos. ?A crise climática é o maior, mais devastador e urgente problema a ser encarado em conjunto pela humanidade, por ser transversal a todos os problemas econômicos, sociais e ambientais?, declarou Athayde. Turismo também é responsável A indústria do turismo também tem sua parcela de responsabilidade pelas mudanças climáticas. As companhias aéreas, que transportam os turistas pelos quatro cantos do mundo, por exemplo, são grandes consumidoras de combustíveis fósseis. Algumas empresas na Europa, conscientes deste quadro, já oferecem até pacotes em que parte do valor da passagem é direcionada para projetos de seqüestro de carbono. ?O mito de que o turismo era indústria sem chaminé caiu. O turismo polui, e muito?, afirmou Eduardo Athayde. O diretor do WWI informou que numa viagem São Paulo/Paris/São Paulo o transporte de cada pessoa gera 1730 quilos de CO2, ou 88,1 gramas por quilômetro. Isto porque o consumo de combustível chega a 3,5 litros por quilômetro para cada passageiro. ?As empresas aéreas começam a inovar. A British Airways e a TAP também articulam-se para seqüestrar o carbono emitido nos vôos. Cada passageiro poderá vender, juntar créditos para especular no mercado futuro ou oferecer os créditos a uma ONG. A proposta é um turismo de baixo impacto, uma tendência mundial?, informou. A Bahia, segundo Athayde, tem na indústria da descarbonização uma grande oportunidade para revelar-se ao mundo. O estado é o único do país com cinco biomas distintos: cerrado, caatinga, mata atlântica, costeiro e marinho. ?Cada um desses precisa ser preservado com geração de conhecimentos, para ser explorado sustentavelmente?, disse. Com toda essa riqueza ambiental, a Bahia, de acordo com o pesquisador, precisa preparar-se para ser vendida como destino de forma diferenciada. ?Acredito que a Baía de Todos os Santos será o próximo foco dos investidores nacionais e internacionais?, declarou.;Pólo implantará programa global O Pólo Industrial de Camaçari se mobiliza para a implantação de um programa de descarbonização global, que possibilite inclusive a geração de crédito de carbono em um futuro próximo. As empresas do maior complexo industrial integrado do Hemisfério Sul buscam definir indicadores para que sejam estabelecidas metas e as ações estratégicas a serem desenvolvidas. O superintendente de Desenvolvimento e Comunicação do Comitê de Fomento Industrial de Camaçari (Cofic), Érico Oliveira, lembrou que o pólo sempre contemplou a preocupação ambiental em suas atividades, através de processos produtivos que seguem as normas ambientais, utilização de tecnologias limpas e de diversas ações socioambientais. Ele, inclusive, destacou a posição de vanguarda do complexo em relação aos empreendimentos industriais existentes no país, e citou projetos como o tratamento centralizado de efluentes líquidos e resíduos sólidos, realizado pela Cetrel; o Anel Florestal, que conta com mais de 3,8 mil hectares de mata preservada e que estabelece uma barreira de segurança entre a zona urbana e a área industrial, e o Corredor Ecológico Costa dos Coqueiros, uma área de mais de 60km de extensão e 30 mil hectares de remanescentes florestais. O Cofic está elaborando um inventário das ações e programas já desenvolvidos no Complexo Industrial e que se enquadram no conceito de descarbonização, na sua acepção mais técnica. Segundo informações do comitê, os resultados preliminares indicam que 73% das empresas consultadas implementaram nos últimos anos projetos voltados para a redução ou eliminação de gases de efeito estufa. O trabalho busca reunir subsídios para a elaboração de estratégias e definição das metas. A Cetrel, especificamente, é uma das referências do trabalho de proteção ambiental desenvolvido no pólo, reconhecida, inclusive, internacionalmente. A gestora de programas coletivos do complexo é hoje fator de atração de novas indústrias, que estão cada vez mais preocupadas com a questão, principalmente em função do crescimento da cobrança por parte da população mundial.;Suzano consegue captar US$80 mil A Suzano Papel e Celulose, que conta com unidade em Mucuri, no extremo sul baiano, realizou no início do ano sua primeira venda de crédito de carbono na Chicago Climate Exchange (CCX). Foram disponibilizados, em pregão on-line, 20 mil toneladas, o que rendeu à empresa cerca de US$80 mil. Até 2010, a companhia terá cerca de três milhões de toneladas de carbono capturados por suas florestas de eucalipto na forma de créditos para a venda neste mercado. O gerente de Relações Institucionais, Luiz Cornacchioni, afirmou que a Suzano deu início no ano passado a realização do inventário de emissão de gases de efeito estufa (GEE) de suas unidades fabris e florestais, com a finalidade de demonstrar as emissões de todos os seis gases causadores de efeito estufa incluídos no Protocolo de Kyoto. O objetivo do inventário, segundo ele, é desenvolver um sistema de monitoramento claro e preciso das emissões anuais das principais fontes (fabris e florestais), assim como do seqüestro de carbono pelas florestas, podendo ser repetido nos anos subseqüentes. ?O sistema não será somente um exercício de contabilidade, mas um componente estratégico e essencial de gestão ambiental da Companhia?, disse. Foram incluídas nesse inventário as unidades florestais e fabris na Bahia e em São Paulo. O primeiro foi realizado em 2006, tendo como referência os anos 2000, 2003, 2004, 2005. ?Essa atividade terá periodicidade anual, e para este ano está prevista a realização do inventário das emissões do ano de 2006?, disse. Realizar o inventário é uma exigência para que a Suzano passasse a ser membro pleno da bolsa de créditos de carbono Chicago Climate Exchange. Também auxilia na identificação de oportunidades de melhoria do processo de produção, na identificação de projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), gerando créditos elegíveis ao mercado regido pelo Protocolo de Kyoto. Estado busca recuperar florestas A Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh) lançou o Programa Floresta Bahia Global, que visa à promoção de ações de recuperação da cobertura vegetal e descarbonização. O objetivo é estabelecer um marco regulatório e uma metodologia de referência para a adoção de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Prevê, inclusive, a emissão de títulos equivalentes aos Certificados de Emissões Reduzidas (CERs), denominados no âmbito do programa de Créditos de Carbono Zero (CCSs). O secretário Juliano Matos afirmou que o programa buscará neutralizar a emissão de gases, incentivando a alteração da base energética; seqüestrar o CO2 através do reflorestamento, e incluir os biomas da caatinga e do cerrado na captação do carbono após pesquisas. As empresas que apoiarem projetos neste sentido receberão um selo para agregar valor à marca ou produto. ?Uma empresa aérea já demonstrou interesse?, afirmou. As empresas interessadas devem procurar a secretaria para manifestar interesse. A Semarh indicará a área florestal a ser recuperada e as espécies que devem ser plantadas. Segundo o secretário, serão certificados projetos já existentes ou estabelecidos convênios com associações de pequenos produtores rurais, instituições ambientalistas e universidades públicas com competência em ecologia de restauração de florestas e gestão ambiental. Por outro lado, os Créditos de Carbono Zero, que serão emitidos pela secretaria, a partir dos projetos, deverão ser adquiridos, através da Bolsa de Valores da Bahia, por empreendimentos que utilizam produtos florestais madeireiros ou emitem dióxido de carbono em seus processos produtivos ou serviços. Na primeira etapa, eles serão emitido exclusivamente para projetos executados em unidades de conservação de proteção integral, territórios de comunidades quilombolas, áreas de preservação instituídas em reservas indígenas, reservas legais e áreas de preservação permanente de assentamentos de reforma agrária e associações de agricultores familiares e unidades experimentais e centros de pesquisas públicos.
Correio da Bahia