Os argumentos de Agnelli para Lula
06/02/08
O presidente da Companhia Vale do Rio Doce, Roger Agnelli, ainda não convenceu o governo a aprovar a operação de compra da mineradora anglo-suíça Xstrata, mas já conseguiu diminuir a resistência. Na única conversa que teve até agora com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva – durante um jantar, no dia 24 de janeiro, em sua residência, no Rio de Janeiro -, Agnelli apresentou argumentos “geopolíticos” e econômicos. Lula gostou do que ouviu.Naquele dia, o Valor revelou que o governo não estava nada satisfeito com a oferta da Vale pela Xstrata porque, entre outras razões, a operação envolve a transferência de parte do capital da mineradora brasileira para estrangeiros. A Vale é uma empresa privada, mas tem entes públicos – o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil (Previ) e o BNDES – entre seus acionistas controladores, além de ações (“golden share”) que permitem a Brasília opinar sobre determinadas decisões.O governo Lula apóia a internacionalização de companhias brasileiras, mas desde que seu controle fique nas mãos de nacionais. Coincidentemente, no dia em que o Valor informou a contrariedade do Palácio do Planalto com o negócio, ocorreu o jantar oferecido por Agnelli a Lula, convescote que teve ainda a presença do governador Sérgio Cabral. Sem perder um minuto daquela oportunidade, o executivo chamou o presidente num canto, expôs os “conceitos básicos” da aquisição da Xstrata e lhe fez um pedido: não emitir nenhuma opinião pública sobre o negócio até que ele fosse concluído.O governo terá a chance de se manifestar quando a operação for submetida ao Conselho de Administração da Vale. Até lá, argumentou Agnelli, qualquer ruído poderia atrapalhar – ou mesmo encarecer – as negociações com a mineradora estrangeira. Lula concordou com o pedido, colocando-o em prática imediatamente. No dia seguinte, deu rápida entrevista, na qual sustentou não ter sequer tratado do assunto com Agnelli no jantar do dia anterior. O combinado estava valendo.Ao expor os “conceitos básicos” da aquisição da Xstrata, Agnelli informou ao presidente que a mineradora anglo-suíça tem forte presença na América do Sul. De fato, a empresa atua em quatro países da região, além do Brasil – Argentina, Chile, Peru e Colômbia. Esses países respondem por 43% de sua lucratividade. Com a aquisição, da noite para o dia, a Vale passaria a ter presença dominante na região.A explicação encheu os olhos de Lula, afinal, ter uma multinacional brasileira investindo e gerando empregos e renda na América Latina (AL), especialmente na parte Sul do continente, fortalece a política externa de seu governo, voltada prioritariamente para o Terceiro Mundo e especialmente para os países vizinhos. Em tese, uma Vale fortalecida daria ao Brasil os recursos de poder de que carece para fazer valer seus interesses e sua liderança na região. “Do ponto de vista geopolítico, o Brasil teria na AL não só a Petrobras, mas uma super empresa como a Vale”, observa uma fonte próxima das negociações com a Xstrata.Geopolítica e investimento: a sedução da ValeAgnelli, segundo apurou esta coluna, usou outros argumentos na conversa que teve com Lula. Explicou que, com a compra da Xstrata, a Vale passará a ter um fluxo de caixa bem maior que o atual, o que facilitará a realização de investimentos dentro do Brasil. Mesmo sendo uma empresa menor que a Vale, a Xstrata teve, em 2006, um Ebitda (sigla em inglês para lucro antes do pagamento de juros, impostos, depreciação e amortização do diferido) quase igual ao da Vale – US$ 10,441 bilhões, face a US$ 11,306 bilhões da mineradora brasileira. Nos primeiros seis meses de 2007, o Ebitda da Xstrata cresceu 22% em relação ao mesmo período do ano anterior.Investir mais no Brasil, agregando valor aos minerais extraídos no país, é uma cobrança que Lula vem fazendo há tempos à Vale. Agnelli, na conversa com o presidente, teria adiantado que, com a musculatura reforçada pela compra da Xstrata, a Vale deve acelerar projetos de investimento no país, como o desenvolvimento de duas minas de cobre compradas do empresário Eike Batista, bem como o da mina de cobre Salobro, no Pará, que exige processo especial de exploração. Além disso, há o projeto de duplicação da ferrovia de Carajás e a instalação de siderúrgicas, aqui, em parceria com empresas estrangeiras.Agnelli não queria antecipar uma conversa sobre a Xstrata com o presidente ou com a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, com quem tem ótima relação, porque ainda não tinha montado o “quebra-cabeça” da operação. Na ocasião do jantar com Lula, a previsão era que o negócio levaria um mês para ser concluído – agora, restariam, portanto, duas semanas. O desafio da Vale é montar uma operação financeira que não ameace o grau de investimento – a empresa foi a primeira do Brasil a obter essa distinção das agências de risco. O grau de investimento permite captar recursos no mercado externo a custos bem inferiores aos oferecidos no mercado interno.O receio do governo de que a compra da Xstrata será o primeiro passo rumo à desnacionalização da Vale é rebatido por especialistas, que lembram que a Valepar, empresa que representa o grupo controlador da companhia, foi criada na época da privatização da mineradora justamente para blindá-la da possibilidade de desnacionalização. A Valepar detém 32,5% do capital da Vale. É bom lembrar que 65,4% do chamado “free float” da companhia, ou seja, das ações em poder do mercado, já está nas mãos de investidores estrangeiros.A Vale corre contra o relógio. O mercado mundial de mineração vive intensa fase de concentração. A BHP Billiton corre para comprar a Rio Tinto. Na semana passada, duas empresas de alumínio – a Chinalco e a Alcoa – adquiriram 12% da Rio Tinto, o que pode dificultar (ou encarecer) a operação da BHP. Como bem assinala o analista Christopher Garman, do Eurasia Group, se aquela fusão não caminhar, o governo Lula pode impor dificuldades ao negócio da Vale com a Xstrata. Do contrário, pode ter interesse em aprová-lo. Os próximos dias serão decisivos para os dois negócios.Cristiano Romero é repórter especial e escreve às quartas-feiras. cristiano.romero@valor.com.br
Valor Econômico