Os minérios e a sabedoria indígena
19/07/07
O recente episódio da morte de um índio carajá em Goiânia ? ao que parece espancado nas imediações de uma aldeia guarani em São Paulo ? é apenas mais um de uma série interminável de violências contra indígenas no País. E de lesão de seus já precários direitos, sempre ameaçados por propostas que variam na aparência, mas quase sempre estão ligadas ao desejo de expulsá-los de suas terras ou de explorar ?riquezas? nelas contidas ? quando não pela negação pura e simples ao direito de viver em paz nessas terras que são suas desde tempos imemoriais. Ultimamente, está até em moda até dizer que ?índio tem terra demais?, quando há cinco séculos eles eram donos de todo o território nacional e hoje têm menos de 13% dele. Quase invariavelmente os defensores dessa ?tese? são também arautos da fórmula do crescimento econômico a qualquer preço, nele incluída a destruição de recursos e serviços naturais. Neste exato momento, o governo federal pode estar preparando mais lenha para a fogueira com o projeto que, segundo os jornais, pretende mandar ao Congresso ? preparado pelos ministérios da Justiça e Minas e Energia, além do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República ?, para liberar a exploração de minérios em áreas indígenas, mediante pagamento de royalties de 3% sobre o faturamento, a ser dividido entre os donos das áreas e um fundo a ser administrado pela Funai. Um projeto polêmico, com índios absolutamente contrários, outros que querem eles mesmos explorar os minérios, outros ainda que contestam a divisão de recursos com a Funai e alguns que não aceitam porcentagem sobre faturamento líquido das empresas (reivindicam porcentagem sobre o faturamento bruto). Não é pouco o que está em jogo: jazidas de nióbio e tantalita (usados em reatores nucleares, celulares, propulsores de aviões a jato), ouro (62% do que já foi identificado), cassiterita, titânio, estanho, ferro, zinco e muito mais. Que mexem com fortes interesses, já que a mineração responde por 25% das exportações brasileiras e responde por 10,5% do Produto Interno Bruto (O Globo, 24/6/07), com 5 mil minas em operação. O Instituto Brasileiro de Mineração prevê investimentos na área de US$ 28 bilhões até 2011, se novas áreas forem liberadas para os 4.821 pedidos de pesquisa e lavra já feitos por empresas, principalmente as gigantes do setor da mineração e da construção. A base para a discussão é um projeto do senador Romero Jucá (PMDB-RR), que já passou pelo Senado e por algumas comissões da Câmara ? e agora está sendo modificado. Segundo o Instituto SocioAmbiental, 317 empresas manifestaram interesse por 123 áreas indígenas, nas quais já atuam 192 garimpos irregulares. E o senador de Roraima notabilizou-se no final da década de 80, quando, presidente da Funai, mandou rever uma demarcação já feita da área dos índios ianomamis e criou nova demarcação, transformando o território contínuo em um arquipélago de 13 pequenos lotes circundando as aldeias indígenas. O restante, embora fosse também parque nacional, ele mandou abrir a dezenas de milhares de garimpeiros, de quem esperava ganhar os votos na eleição para governador, em 1990. Alertado pelo então secretário nacional do Meio Ambiente, José Lutzenberger, o governo Colllor anulou a demarcação e o então ministro Jarbas Passarinho mandou dinamitar as pistas clandestinas de pouso. Jucá perdeu a eleição. Mais tarde, sofreu um processo onde se tratava de extração ilegal de madeira em área indígena em Mato Grosso. Agora, dizem alguns jornais que o projeto de regulamentação da exploração de minérios em áreas indígenas será discutido também junto com o polêmico Estatuto das Sociedades Indígenas, que está parado desde 1991. Se sozinho não andou em 15 anos, não é difícil imaginar o que acontecerá misturado com outro tema explosivo.Mas conflitos é que não faltam para atormentar a vida de índios. Agora mesmo, não está aí a questão dos índios trucás, à beira do Rio São Francisco? Dizem eles que a área desapropriada pelo governo federal, para iniciar o projeto de transposição das águas do rio, já foi demarcada pela Funai para os trucás. E, nesse caso, como pode o governo desapropriar e pagar a terceiro por uma área que, sendo de índios, é de propriedade da própria União, que os tutela? No Espírito Santo, não tem fim a disputa dos tupiniquins/guaranis com uma empresa de celulose, em torno de uma área que a Funai já reconheceu como deles, mas o Ministério da Justiça não aceitou. Em Raposa/Serra do Sol, área dos ianomamis já demarcada e homologada, os plantadores de arroz que a invadiram não aceitam nem decisões da Justiça que lhes determina a desocupação. E nisso têm o apoio do senador Jucá e de outros membros do Congresso. Enquanto isso, a Justiça Federal condena o ex-governador do Acre Orleir Cameli a pagar R$ 10,4 milhões aos índios campas, do Juruá, de cujas reservas extraiu ilegalmente madeira. The New York Times noticia que uma empresa norte-americana, Coriell Cell Repositoires, está vendendo a cientistas, por 85 dólares a dose, sangue extraído dos índios karitiana, na década de 90 – quando a autorização para a entrada na área referia-se apenas à gravação de um documentário. Em Mato Grosso do Sul, segue a odisséia dos guarani/kaiowá. Segundo o Conselho Indigenista Missionário, no ano passado ali morreram 14 crianças por desnutrição; e a cada ano 60 adultos suicidam-se, porque não há como exercer sua cultura numa área de 40 mil hectares onde vivem 30 mil pessoas; nem têm elas formação profissional para sobreviver fora. ?Eu não tenho lugar?, deixou escrito na areia um jovem de 17 anos, que se enforcou numa árvore no dia seguinte ao de seu casamento. É preocupante verificar que não se dá atenção a numerosos estudos que dizem ser as áreas indígenas o melhor formato para a conservação da biodiversidade, melhor que áreas de proteção integral como parques ou reservas biológicas. Porque o índio que consegue preservar suas formas culturais (sem dinheiro e sem tecnologias brancas) não devasta seu entorno, já que dele depende para sobreviver. E se os recursos e serviços naturais são hoje o fator escasso no mundo, o Brasil deveria ter uma estratégia que os colocasse no centro de tudo, influenciando todas as políticas. Nesse caso, as reservas indígenas teriam prioridade absoluta. Se não têm, estamos desprezando o futuro, ignorando os alertas sobre a insustentabilidade dos nossos padrões de produção e consumo, além da capacidade de reposição da biosfera terrestre. Índios sabem disso. Davi Yanomami, uma de suas mais fortes lideranças, disse, a respeito do projeto de exploração de minérios em suas áreas: ?Não sei quantos por cento vão nos dar. Mas sei que é pouco, muito pouco. A vida da natureza é grande. É maior que qualquer dinheiro. Vale mais que dinheiro.? (O Globo, 24/06/07). É isso aí. Ouve quem ainda tem ouvidos.;;Washington Novaes; – jornalista
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