Risco de recessão no mundo rico ainda ameaça países emergentes
24/01/08
A atual crise econômica internacional nasceu nos Estados Unidos. Mas, apesar de esperanças em contrário, as dores serão compartilhadas pelos países em desenvolvimento, do Brasil à Tailândia.
As economias em desenvolvimento – onde vive 85% da população mundial – estão amadurecendo e se mostram bem menos frágeis do que há dez anos. Mas elas ainda não são fortes o suficiente para escapar da recessão no mundo industrializado, nem auto-suficientes o bastante para sustentar sozinhas o crescimento mundial.
Essa realidade ficou evidente no início da semana, quando as bolsas da China, Índia e de outros países na Ásia caíram em meio aos temores de uma crise econômica mundial. O Índice Hang Seng da Bolsa de Hong Kong teve a maior queda de sua história na terça-feira, e a bolsa da Indonésia caiu mais de 7%. Apesar de muitas bolsas asiáticas já terem se recuperado ontem, ainda permanecem os temores de que os mercados dos países em desenvolvimento continuarão na berlinda.
Muitos mercados emergentes dependem das exportações para países ricos. E, embora as fontes internas de crescimento econômico, como o consumo pessoal, tenham crescido na China e no resto do mundo, elas não bastam para evitar que os países em desenvolvimento enfrentem dificuldades casos suas exportações engasguem.
A vulnerabilidade dos mercados emergentes a uma recessão nos EUA está sendo amplamente debatida esta semana no Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça.
“Nenhum país pode se desligar dos EUA”, disse Kamal Nath, ministro do Comércio da Índia. “A pergunta é qual será o impacto.”
James Wolfensohn, presidente da firma de investimentos Wolfensohn & Co. e ex-presidente do Banco Mundial, diz que “falar de descolamento, neste estágio do desenvolvimento econômico, é prematuro”. Os mercados emergentes ainda precisam dos consumidores dos países industrializados para alimentar o seu crescimento, acrescenta.
Os americanos gastaram cerca de US$ 9,5 trilhões no ano passado – quase seis vezes o consumo dos chineses e indianos, disse Stephen Roach, presidente do Morgan Stanley na Ásia.
Na Tailândia, as exportações de sapatos já estão caindo e algumas fábricas fecharam, enquanto que na China os fabricantes de móveis têm tido vendas menores. A Hua Chao Art & Furniture, em Zhongshan, afirma que as exportações para os EUA caíram cerca de 17% em 2007 frente ao ano anterior, em parte por causa da crise imobiliária americana. “A produção pode diminuir, o que pode gerar demissões”, disse uma gerente de vendas da empresa.
A cervejaria multinacional SABMiller, que tem sede em Londres, informou que as vendas diminuíram em alguns dos mercados emergentes em que ela opera. Na Ásia e na África, o crescimento caiu para 8% no quarto trimestre de 2007, ante 30% um ano antes.
As remessas – o dinheiro enviado para casa por imigrantes que trabalham nos EUA – começaram a diminuir no México à medida que cai o emprego na construção civil ao norte da fronteira.
Em outros mercados emergentes, como Letônia, Casaquistão e África do Sul, o custo do seguro de títulos de dívida foi às alturas – um indício de que os investidores consideram o risco maior. O seguro para US$ 10 milhões em dívidas da Letônia agora custa US$ 155.000, ante US$ 10.000 em agosto, segundo a Markit Group, firma britânica que acompanha o mercado de renda fixa.
“É preciso lembrar que os EUA continuam a ser a maior economia do mundo”, diz Ifzal Ali, economista-chefe do Banco de Desenvolvimento da Ásia, em Manila. Argumentar que o crescimento econômico dos mercados emergentes pode se sustentar sem os EUA “é exagerar um pouco e pode ser até ilusório”, diz ele.
Os EUA, no fim das contas, respondem por 22,5% da economia do globo, segundo as estimativas mais recentes do Banco Mundial. O Japão, juntamente com Alemanha, França, Itália, Espanha e Reino Unido, respondem por outros 23,6%.
Isso não significa que os mercados emergentes caminham para o desastre. A China, de longe a maior entre as economias em desenvolvimento, ainda deve contar com forte crescimento em 2008. Isso deve proteger da crise a cotação das commodities – e isso, por sua vez, ajudaria a sustentar países ricos em recursos naturais na América Latina, África e sudeste asiático. Economistas da gigante anglo-australiana de mineração Rio Tinto prevêem que as commodities continuarão em níveis elevados pelos padrões históricos por um longo tempo ainda por causa da China, responsável por 60% a 90% do crescimento na demanda mundial de aço, alumínio e cobre de 2000 a 2006.
Os gastos de mercados emergentes em infra-estrutura também devem continuar mesmo que os EUA e a Europa entrem em crise. O último plano qüinqüenal da China prevê investimento de mais de US$ 100 bilhões em ferrovias, como a construção de um trem-bala de US$ 22 bilhões de Pequim a Xangai. Rússia, Índia e países do Oriente Médio ricos em petróleo também tem ambições desse porte.
Essa tendência beneficia multinacionais como a Caterpillar Inc. ou a General Electric Co. Os mercados emergentes “nunca se descolaram totalmente” das economias dos países ricos, mas estão “se desligando cada vez mais”, disse a investidores, na semana passada, o presidente da GE, Jeffrey Immelt. A GE aposta na continuidade do interesse das companhias aéreas latino-americanas por turbinas de avião e da demanda de equipamentos de geração de energia na Índia, África do Sul e outros lugares assolados por “apagões freqüentes”, disse.
Desde a última crise, quando vários países emergentes ficaram sem reservas internacionais e declararam moratória em suas dívidas, alguns deles aproveitaram para encher o cofre. O Brasil conta com um colchão de US$ 185 bilhões, enquanto a Rússia economizou parte da receita petrolífera num fundo de US$ 160 bilhões. No total, os mercados emergentes têm cerca de US$ 4,1 trilhões em reservas.
“Desta vez nós temos uma vacina para quando os EUA ficarem gripados”, disse Claudio X. Gonzáles, presidente do conselho da Kimberly-Clark de México SA, referindo-se aos US$ 7 bilhões que o México têm à disposição em dinheiro oriundo da exportação do petróleo, da privatização recente de estradas e de outras fontes. “Esse dinheiro extra não nos protege inteiramente dos efeitos de uma recessão americana, mas deve ajudar.”
Na improvável possibilidade de que o crescimento nos países industrializados caia a zero – a última vez que isso aconteceu foi no início dos anos 80 -, o crescimento na Ásia, sem contar o Japão, cairia para metade dos 8,7% do ano passado, calculam economistas da Lehman Brothers. A atual previsão deles é de desaceleração mais contida, para cerca de 7,6%, mas alertam que “uma queda séria” agora é “plausível”.
Mas os mercados emergentes não são imunes se o consumo – e a demada por importações – diminuir nos EUA e na Europa e não se recuperar no Japão.
Muitos mercados emergentes contavam com o crescimento do consumo interno como um meio de reduzir a dependência dos EUA e da Europa. Mas embora o consumo tenha crescido em vários lugares, ele ainda não alcançou outras fontes de crescimento, especialmente as exportações.
O consumo agora corresponde a uma porcentagem menor da atividade econômica no Brasil, Índia e China do que início dos anos 90, segundo dados da firma de pesquisas Global Insight. Na China, o consumo agora corresponde a cerca de 35% da economia, ante 46% em 1990 – e mais de 70% nos EUA atualmente.
Problemas financeiros nos EUA e na Europa também representam um risco para as economias emergentes, graças à força unificadora da globalização. Nos dez primeiros meses de 2007, a Bovespa se moveu no mesmo sentido do índice de 500 ações americanas da Standard & Poor`s mais de 90% das vezes, segundo dados do Citigroup. Para a Índia, foram 70% das vezes. (Colaboraram Evan Ramstad em Seul, Zhou Yang em Pequim, Bai Lin em Xangai, Wilawan Watcharasakwet em Bangcoc, Joanna Slater em Nova York, Mariam Fam no Cairo, Jackie Range em Nova Déli, David Luhnow na Cidade do México e Antonio Regalado em São Paulo)
Valor Econômico