Vale expõe fratura no movimento social
09/10/07
No momento em que a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) decide mudar o nome e a logomarca, resquícios de um passado estatal não muito distante, o plebiscito para reverter a privatização da empresa expõe uma fratura nos movimentos sociais. O resultado da consulta, divulgado ontem, é um fiasco quando comparado aos dois outros plebiscitos convocados pelas mesmas entidades antes de o PT assumir o poder. O governo Lula é o divisor de águas. O primeiro deles foi realizado em 2000 e teve como tema a dívida externa. Tendo à frente o PT, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), organizações pastorais da Igreja Católica, a União Nacional dos Estudantes (UNE), entre outros, mobilizou 6.030.329 eleitores. Ou seja, 5,7% do eleitorado brasileiro, conforme dos dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), à época.
Um sucesso. Na prática, deu em nada. Mas serviu como ferramenta pedagógica e de mobilização e alimentou o discurso da oposição, àquela altura na antevéspera da chegada ao poder. José Dirceu, então deputado, propôs no Congresso a realização de um plebiscito oficial, e a senadora Heloísa Helena, remissão das dívidas dos países pobres para com o Brasil.
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Dois anos mais tarde, o sucesso foi ainda maior no plebiscito sobre a Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Houve urnas em mais de quatro mil municípios, e trabalharam, no dia da votação, “mais de 150 mil voluntários de centenas de organizações populares, movimentos sociais do campo e da cidade, igrejas, sindicatos, federações sindicais, entidades estudantis, movimentos de mulheres, associações profissionais, ONGs e partidos políticos”. O número de votantes saltou dos 6 milhões do plebiscito da dívida externa para 10.149.542. Foram apuradas 41.758 urnas. O resultado, esperado – 98,33% contrários ao governo assinar o tratado da ALCA, enquanto outros 95,94% se manifestaram a favor do imediato rompimento das negociações do governo brasileiro com os EUA sobre a criação da área de livre comércio. Era 2002, véspera da eleição de um governo no qual os movimentos sociais empenhavam as fichas. Cinco anos de governo Lula depois, os movimentos sociais perderam o vigor como demonstra o resultado sobre a reestatização da Vale anunciados ontem. O placar margeou os 90% favoráveis ao rompimento com o FMI e o “não à Alca” dos plebiscitos de 2000 e 2002, como era de se esperar. Mas o número de militantes mobilizados ficou muito aquém até da primeira consulta – 3,7 milhões atenderam ao chamado. Estatal deixou de entusiasmar o PT
Entre as entidades que se sentiram frustradas com o resultado o diagnóstico é comum: o governo Lula é o divisor de águas e responsável pelo refluxo da onda. Desde o início, PT, CUT e UNE se mostraram refratários em relação ao plebiscito, por avaliar que a consulta causaria constrangimentos ao governo. Do presidente do PT, Ricardo Berzoini, ao governador de Sergipe, Marcelo Déda, passando pelo ex-ministro José Dirceu, houve manifestações contrárias. As três entidades demoraram a aderir ou só entraram na reta final, ainda assim sem o entusiasmo de 2002. Houve divergência sobre o número de questões, sob o pretexto de que algumas perguntas (pagamento de juros da dívida e reforma da previdência, por exemplo) causariam constrangimentos ao Planalto, mas também por terem sido formuladas por entidades concorrentes com a Conlutas (sob a influência do PSTU) e da Intersindical (na esfera do PSOL). Havia também conflito de interesses, como detectaram alguns dirigentes de entidades envolvidos na preparação do plebiscito. Um deles: no controle acionário da Vale privatizada se destacam grandes fundos de pensão como a Previ (Banco do Brasil), a Funcef (Caixa Econômica) e a Petros (da Petrobras). Todos dominados por categorias influentes dentro da CUT.
O plebiscito enfim convenceu grande parte dos movimentos sociais que a defesa das estatais deixou de entusiasmar os antigos gurus petistas, alguns deles hoje associados a fortes grupos privados, sendo que pelo menos um à própria Vale. Mas se ex-dirigentes se desinteressaram, a CVRD deu importância ao movimento: fez pesquisas sobre o assunto entre os formadores de opinião, lobby no Congresso e agora parece prestes a romper de vez com o passado com a mudança do nome e da logomarca. Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras
Valor Econômico