Vale + Xstrata = Zug
10/02/08
Nos últimos dias, vem se concretizando a especulação de que está cada vez mais próxima a aquisição da mineradora anglo-suíça Xstrata pela Companhia Vale do Rio Doce (CVRD). Um dos maiores negócios no setor de mineração, que envolve cifras realmente grandes, algo em torno de US$ 90 bilhões. As especulações de mercado hoje dão conta de um valor de US$ 120 bilhões para a Vale, podendo chegar a US$ 150 bilhões.
Para os mais desavisados, esta pode ser uma notícia fantástica, já que, à primeira vista, a maior empresa privada da América Latina está se constituindo como uma gigante transnacional, legitimamente brasileira e ainda fruto do processo de privatização “bem conduzido” nos anos 1990.
Precisamos jogar luz a esse respeito, já que alguns pontos acabam sendo esquecidos, como, por exemplo, o processo de privatização. Não é verdade, em absoluto, que a Vale se deslanchou depois do seu processo de privatização, isso é uma argumentação extremamente maniqueísta. A Vale cumpriu um papel importante na economia brasileira e, diferentemente dos argumentos apresentados, essa empresa não era deficitária ou gerida por uma burocracia incompetente, caso contrário ela por si só não teria alcançado os resultados que alcançou. Os investimentos nesse setor demoram anos para amadurecer e, portanto, não se confirmam simplesmente em função do sucesso dos seus atuais dirigentes. Não lembrar disso é esquecer a própria história brasileira recente.
Outra questão importante a ser colocada é que a Vale do Rio Doce não foi privatizada por ser uma empresa deficitária e, sim, por uma questão unicamente ideológica. Basta buscarmos na nossa memória o que foi o Programa Nacional de Desestatização ? isso sim valeria uma CPI ? dos anos 1990.
O caso da Vale é mais enigmático: em 6/5/1997, ocorreu o leilão com um preço mínimo de US$ 2,6 bilhões, alcançando um preço de venda de US$ 3,2 bilhões mais US$ 3,5 bilhões de dívidas transferidas. Quase 11 anos depois, o seu valor chega a US$ 120 bilhões, o que é, no mínimo, algo muito estranho. É sabido que os preços das commodities tiveram uma variação positiva importante nesse período e que, “por acaso”, outras jazidas foram descobertas. Porém, só isso não justifica essa variação de preços da Vale e fica evidente que a companhia foi subvalorizada na privatização.
A Vale, por ser uma empresa peculiar, tem como atividade principal a extração mineral e, portanto, isso nos remete a outro componente: a exploração de recursos naturais. Logo, privatizou-se não apenas uma companhia, mas o subsolo e seus recursos num mundo cada vez mais carente desses produtos, levando com isso à utilização desses recursos como se bem entende sem precisar se valer de qualquer responsabilidade social sobre seus lucros, pois a única responsabilidade que ela realmente tem, está relacionada com os seus acionistas (nacionais ou estrangeiros).
A composição acionária total da Vale também merece alguns comentários. Ela não é 100% nacional: a Valepar detém 32,5% das ações; os investidores não-brasileiros detêm 43%, sendo que 34,8% na Bolsa de Nova York e 8,2% na Bovespa; os investidores brasileiros detêm 19,1%, sendo que os institucionais controlam 8,9%, o varejo 7,4% e o FMP FGTS 2,8%; o Governo Federal 5,5%, sendo 4,2% por meio do BNDESPAR e 1,3% do Tesouro Nacional.
Do valor total do negócio entre Vale e a Xstrata, segundo as informações apresentadas, US$ 30 bilhões seriam em transferência de ações preferenciais da Vale, ou seja, um terço do negócio envolveria transferência de ações e, mesmo que sejam preferenciais, poderemos ter uma mudança significativa da correlação de força dos grupos de acionistas, resultando em uma situação até agora muito obscura sobre os seus resultados.
O que podemos esperar em médio prazo, se o negócio for concluído, será um aumento na remessa de lucros e dividendos para o exterior (só em 2007, foi de US$ 21,2 bilhões), já que a lucratividade da companhia não sofreria com a turbulência dos mercados imobiliários, por enquanto. Teríamos ainda uma situação de desnacionalização das nossas riquezas minerais e, por fim, quem sabe, a transferência da sede da Vale para a agradável cidade de Zug na Suíça, sede da Xstrata.José Alex Rego Soares é mestre em Economia Política pela PUC-São Paulo e professor de Economia na PUC-Campinas
Jornal de Brasília