Mineradoras pressionam o Congresso para privatizar o urânio
05/11/07
Empresas como Vale do Rio Doce e EBX fazem lobby no Congresso para derrubar cláusula constitucional que define monopólio estatal ENERGIA Empresas como Vale do Rio Doce e EBX fazem lobby no Congresso para derrubar cláusula constitucional que define monopólio estatal AS MINERADORAS e os investidores estrangeiros elegeram um novo alvo: derrubar o monopólio estatal de exploração do urânio. Reportagens publicadas pela mídia corporativa, como os jornais O Globo e Valor Econômico, informam que as mineradoras estão fazendo lobby no Congresso para conseguir mudar a Constituição, que veta a exploração privada. Especialistas ouvidos pelas publicações defendem a quebra do monopólio, de olho em um negócio que poderia movimentar US$ 12 bilhões. No entanto, de acordo com o engenheiro e físico Bautista Vidal, o maior perigo de uma abertura da exploração e comercialização do urânio para a iniciativa privada é a questão da produção de bombas nucleares. ?Isso é patrimônio que deve ser mantido com o Estado brasileiro. Não tem nenhum sentido privatizar. No fundo, há o interesse militar desse urânio. O uso em energia, no Brasil, ainda é insignificante, pois temos a biomassa que é muito mais poderosa?, explica Vidal. Luiz Pinguelli Rosa, engenheiro nuclear e ex-diretor da Eletrobrás, não vê com simpatia a proposta de abrir para a iniciativa privada a exploração do urânio. ?Não vejo isso como uma grande fonte de recursos para o Estado brasileiro. É um material muito sensível, tem as complicações do uso militar. Existe uma lógica do monopólio estatal do urânio brasileiro. Os recursos naturais são estratégicos. Um bem estratégico nacional não pode ser dado simplesmente à iniciativa privada?, disse. O urânio, hoje, é responsável por 17% de toda energia produzida no mundo. Por ser considerado uma fonte de energia ?limpa? e que não polui o ar e nem causa grandes inundações (como as hidrelétricas), o minério é visto como um potencial a ser explorado. Além disso, é mais rentável que o carvão ou o petróleo (1 kg equivale a 10 toneladas de petróleo e 20 toneladas de carvão). Dados do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) mostram que existem 30 reatores nucleares sendo construídos no mundo, outros 74 planejados e mais 162 propostos. Hoje, a produção de urânio é controlada pelo Estado brasileiro diante do papel estratégico do minério. É a partir do minério que se produzem bombas atômicas, grande símbolo de destruição da Segunda Guerra Mundial. A exploração e a comercialização sem controles restritos podem ocasionar o uso para fins bélicos, o que não é de interesse da humanidade. As declarações de mineradoras privadas interessadas na quebra do monopólio, como é o caso da Companhia Vale do Rio Doce e da holding EBX, não deixam dúvidas do potencial mercadológico do minério. ?Onde houver potencial de urânio, a gente vai buscar. Estamos olhando isso na África, na Austrália, em outros países, para tentar posicionar a Vale do Rio Doce nessa mineração bastante interessante para os próximos anos?, disse Roger Agnelli, o presidente da companhia, ao Valor Econômico, acrescentando que prevê um crescimento da demanda por urânio. A EBX também já declara estar interessada em sua exploração, caso seja alterada a legislação. Flexibilização? No Brasil, a exploração e o enriquecimento desse minério está a cargo das Indústrias Nucleares do Brasil (INB). A maioria do minério extraído serve para consumo das usinas de Angra I e II (responsáveis por 40% da geração de energia do Rio de Janeiro) e, futuramente, Angra III, ou seja, demanda interna. A jazida de Caetité (BA) produz hoje 400 toneladas/ano de urânio. A INB pretende dobrar a produção diante de um investimento de R$ 30 milhões até 2010. Quanto à comercialização, a INB prevê que, a partir de 2014, atinja o nível necessário para a venda ao mercado externo, ainda com poucos fornecedores e que paga muito caro pelo minério. A cotação do produto passou de US$ 12 em 2004 a libra-peso (equivalente a 450 gramas) para U$ 90 em setembro deste ano. Em junho, a cotação chegou a US$ 135, um aumento superior a 1.000% no período. A tendência é que, nos próximos anos, os preços continuem elevados, diante da previsão do Conselho Mundial de Energia de que haverá a duplicação da geração de energia nuclear no mundo entre 2020 e 2050. Para Leonam dos Santos, chefe de gabinete da presidência da Eletronuclear, seria ? interessante? flexibilizar a mineração de urânio para a iniciativa privada, pois o governo ?tem dificuldades em explorar o minério? e de ?fazer os investimentos necessários para aumentar a prospecção de urânio?. Contudo, a comercialização deveria ser de propriedade do Estado, defende o executivo. Segundo sua assessoria, a INB se posiciona de maneira contrária à abertura de exploração de urânio para a iniciativa privada. No entanto, a mesma empresa já declarou que irá estabelecer parcerias privadas para o fosfato (que vem em conjunto com o urânio na natureza) na jazida de Santa Quitéria, no interior do Ceará, que entrará em operação em 2011. Congresso Em junho, o Instituto Brasileiro de Mineração entregou um documento ao presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia (PT-SP), pedindo uma possível flexibilização no monopólio de exploração de urânio. Por sua vez, o parlamentar avisou que o tema seria tratado pela Comissão de Minas e Energia, mas já tem membro deixando clara a sua posição. O deputado federal Fernando Ferro (PT-PE), membro da Comissão de Minas e Energia, declarou ser contra essa proposta. ?A exploração faz parte de uma cadeia de controle de um minério que é estratégico, passível de uso militar. Não se pode abrir, sem longo debate. A energia nuclear deve se submetida a exigências rigorosas para o seu uso correto?, explicou. Mesma posição do deputado federal Edmilson Valentim (PCdoB-RJ). ?Como o urânio é a base para a geração da energia nuclear, ainda é uma questão delicada e deve fi car sob a responsabilidade do Estado?, afirmou. Para o deputado Edson Duarte (PV-BA), membro da Comissão de Meio Ambiente e relator do grupo de trabalho da Câmara sobre fiscalização e segurança nuclear, é um absurdo se pensar em flexibilização ou privatização. ?O Estado é quem responderá por eventuais desvios de função da exploração de urânio, que tanto pode ter um destino pacífico quanto bélico. Os acordos internacionais que tratam da segurança nuclear são feitos entre as nações de tal forma que a nação deve ter perfeito e total controle sobre essa atividade?, disse. Corrida pelo urânio
O minério O urânio se distribui sobre toda a crosta terrestre aparecendo como constituinte da maioria da rochas. As reservas desse elemento, para que se tornem economicamente atrativas, dependem do teor de urânio presente assim como da alternativa tecnológica usada para o seu aproveitamento. O principal uso do urânio é na tecnologia nuclear para geração de energia elétrica. Estima-se que, hoje, 17% da eletricidade produzida no mundo tenha o urânio como matéria-prima principal. Também é utilizado na fabricação de bombas nucleares e na composição da bomba de hidrogênio. Por se tratar de um material radioativo, em contato com o ser humano pode provocar envenenamento de baixa intensidade. Entre os efeitos colaterais, estão náusea, dor de cabeça, vômito, diarréia e queimaduras. Exploração atual O Brasil possui a sexta maior reserva mundial de urânio, o que permite o suprimento das necessidades domésticas em longo prazo. Estudos de prospecção e pesquisas geológicas foram realizados em apenas 25% do território nacional. Hoje, o minério extraído em território nacional pelas Indústrias Nucleares Brasileira (INB) abastece as usinas de Angra I e II. Só a jazida de Caetité resolve essa demanda. Se Angra III for construída, a produção de urânio deverá ser maior, com a exploração da jazida de Santa Quitéria (CE).
Revista Envolverde